domingo, 25 de setembro de 2022

20º Ler o Vizinho “O Porão” (e/ou 1º Ler (Caiçara - desde Santos) o Vizinho (Caipira - desde de São Caetano do Sul).

20º Ler o Vizinho “O Porão” (e/ou 1º Ler (Caiçara - desde Santos) o Vizinho (Caipira - desde de São Caetano do Sul) Hoje ao vivo, pela “time line” do Facebook do Acervo dos Escritores Santistas, às 16h desse último domingo de setembro de 2022 - 25/09/2022, e a ser reproduzido na “time line” da Pinacoteca Benedicto Calixto, às 16h do primeiro domingo de outubro - 02/10/2022. "O Porão", de Maiaty. A primeira música que ouviu naquele sábado não lhe deixou esquecer a noite. “Será que vou te ver hoje à noite, num trem no centro da cidade?” Em sua cabeça, já tinha tido todo tipo de pensamento sobre o que poderia acontecer naquela noite. Sabia que corria o risco de ficar esperando na estação, como uma tola. Para isso, tinha até um “plano b”. Mas estava decidida. Tinha de conhecer o território dele. Só assim para conhecê-lo de fato. No final da tarde, juntou uma muda de roupa, maquiagem, escova de dentes, e colocou na bolsa. Arrumou-se como de costume, mas com uma estranha sensação. Nunca se sentira assim antes. Vestir-se, perfumar-se, e ter a certeza de que poderia ser tudo em vão... Era como executar um ritual mecanicamente, sem qualquer satisfação. Era como se estivesse indo para um julgamento, uma entrevista de emprego, um exame de seleção, um exame de escola... tudo, menos um encontro amoroso. E a música na cabeça o dia todo: “Será que vou te ver hoje à noite, num trem no centro da cidade?” Esforçou-se para não perder a hora, mas mesmo assim atrasou-se um pouco. Manteve os olhos abertos no metrô. Poderia ser que se encontrassem no meio do caminho, como fora na primeira vez que saíram juntos. E a tensão aumentava a cada estação. Quando chegou ao seu destino, doíam-lhe o estômago e a bexiga. E nenhum banheiro por perto. A estação era cercada por residências. Sim, talvez a única estação cercada por residências! Os minutos pareciam horas... Bem, só lhe restava decidir até que hora esperar. Até as nove? As dez? Após uns vinte minutos de espera, o “plano b” foi engavetado. Ele acenou de longe. Talvez tivesse medo que ela fosse embora... Cumprimentou-a com um beijo no rosto. Seguiram para a casa dele. Local íngreme. Ela tinha vindo com um salto apropriado, como ele lhe pedira. Cada passo parecia uma eternidade. Chegaram à casa. Uma rua com muitos sobrados. Pararam diante de um deles, desceram para a parte baixa da casa. Um porão, na realidade. Um porão onde ele guardava todas as dúvidas, todas as incertezas, todas as dores de sua vida. Um porão de adiamentos. Um porão que ele havia transformado em algo habitável, confortável, limpo, aconchegante até. Como sua vida. Quem o visse, teria dele a melhor imagem: bonito, educado, de boa expressão. Tudo certinho. Aparentemente. Mostra-lhe a casa, acomoda-a na sala. Mostra fotos e mais fotos. Fotos de amigos. Fotos de família. Fotos de ex-namoradas... “Essa aqui você namorou quando?” “Ah, uns seis meses atrás...” A frase caiu-lhe como um soco. Seis meses antes estavam juntos. Pedem comida. Pizza. Ele fala com ela como se estivesse recebendo uma visita em sua casa. Sim, o que parecera amor virara gentileza. Simples gentileza. Fazem amor como duas pessoas que não se pertencem. E ele adormece. Fica a cargo dela desligar a televisão, apagar as luzes, colocar a camisola para alguém que não vai vê-la... Não dorme como ele. Tem pesadelos. Na verdade, os pesadelos dele... Vê os fantasmas que o assombram: os amorosos, os familiares, os ancestrais... Caminha no meio da noite pelo território dele. Um porão de sentimentos abortados. Na manhã seguinte, não pede mais que duas xícaras de café bem forte. Ali não haveria mais alimento algum para ela. De espécie alguma. Caminham sob o sol os últimos passos de sua história. Ao menos ela agora sabia por que era melhor desistir. Um porão trancado no coração daquele homem. Sem chave para abrir.” "O porão", de Maiaty, em resenha de Ricardo Rutigliano Roque: Metafórico contexto, onde há paralelismo entre o coração - habitat emocional de um homem, este visitado em porão de sua casa. É preciso arrumar uma chave dupla para ambos ambientes serem adentrados. A noção de tempo chega, para-além do momento em gozo dos sentidos, à gosoza sensação de mistério desvendado, sim, mas através de sua superfície, apenas. Desde o metrô que ela sugere um submergir às entranhas da cidade, passando pelo emergir ao bairro residencial; isto seguido de um mergulho ao porão do subsolo da casa; nova imersão se dá na visão dos guardados expostos; isto leva o leitor a uma montanha russa em linguagem machadiana travestida de pós moderna; é o "plano b" do protagonismo. Há um toque de clandestinidade na empática intromissão, de um voyeur, no folheio cúmplice de um diário, página à página em paredes, quadros e mobília com reminiscências do anfitrião. O despir superficial do homem, em contraste com o sutil vestir de uma camisola da mulher, que pouco cobre para aquele proporcional pouco ver. O leitor se sente estendendo a mão, ao histórico-coadjuvante-personagem-homem, em tal protagonismo-caverna-e-arredores do universo masculino. Acrescido o empático contexto, pelo conforto gerado, ao ser visitado em seus domínios. Há uma admiração à abertura funcional de mulher-personagem, quando esta adentra ao patrimonialismo-conceitual-de-personagem-masculino-alfa, ambos trocando os papéis, de passivo e ativo entre si, disfuncionais por afetos distantes. Ele buscando portfólio vitorioso com a caçada obtida, mediante espreita e paciência, voltando ao enfrentamento à solidão, depois de abate dela que, frustrada, não colhe pertencimento ao lugar almejado, apenas em breve ombro a ombro com a solidão que a assalta ali, de repente, mesmo que acompanhada. Há um estranhamento embutido, trazido pelo contraste entre o trajeto público e o permanecer breve em privado contexto. Ela faz lembrar uma Margareth Tatcher em sua Londres, que se sente vazia naquilo que é Política Pública, mas respeita o que é privado, pagando pedágio ao senhorio da propriedade individual. Caso ela tivesse governado à época dos Beatles teria quatro homens nutrindo o público com o talento privado, sim, mas aberto ao pertencimento afetuoso. Em uma leitura mais aproximada: uma Maiaty descendo a Serra do Mar desde sua São Caetano do Sul até minha Santos, com olhar turista, como hoje faz digitalmente, ou seria eu que a visito indo ao planalto paulistano da Grande São Paulo? Rsss rrr. - Ler o Vizinho do Acervo dos Escritores Santistas. P.S.: Os resenhistas que quiserem compartilhar suas resenhas, quiçá caibam em comentários - abaixo dessa postagem.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. O texto de Maiaty e a resenha de Ricardo já está, resenhistas e demais partícipes, disponível à leitura nesse blog - abaixo linkado (*), do Acervo dos Escritores Santistas. Caso cada um(a) prefira que seja, autor de cada reseha, acompanhada a sua fala por leitura simultânea, por si e outrem - partícipes da live, bastará publicar em comentário aqui, logo abaixo de tal publicação em blog. Que Tal? Até breve.
    * https://acervodosescritoressantistas.blogspot.com/2022/09/20-ler-o-vizinho-o-porao-eou-1-ler.html

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  3. 20° Ler o Vizinho
    Projeto: Ricardo Rutigliano Roque
    Texto: O Porão
    Autora: Mayaty


    Resenha de Cynthia Panca para gravação de Live:

    O trecho da música citada no texto resenhado parece dar ritmo ao enredo da história, tal como os trens mantém um ritmo durante o trajeto.

    Downtown Train conhecida na voz de Rod Stewart projeta em clipe musical cenário semelhante a história lida…terá a autora se inspirado em tal produção?

    Contudo, o texto resenhado remete-me a falta de amor próprio da personagem feminina. Toma-me a atenção a ausência de identidade de ambos personagens. Não há nomes…remetendo ao vazio dos relacionamentos pessoais e impessoais quando não há amor.

    Dizem os textos vedantas:
    "Eu preciso ser capaz de amar, não o adianta eu ter conhecimento e ser ranzinza, ter um nó no meu peito…dissolver o nó que existe no coração… em última instância o que estamos fazendo é Hrdaya Granthi: o nó que existe no coração a abertura desse chacra , precisa vir sucedendo um processo de clareza pois sua abertura é definitiva. Não estou mais me abrindo para depois me decepcionar, eu compreendi que não há como me decepcionar, eu compreendi o Universo na sua ordem e agora eu me abro para amar esse Universo ".

    A música dita o ritmo do encontro fantasiado. Onde a (há) dúvida não há fluidez e os pensamentos da personagem feminina impedem a clareza, o inesperado, a surpresa. Pela leitura, esta estava pronta para o encontro e para o que encontraria, transpassado na descrição do vestir-se, sim?

    Os trens…as estações metaforicamente os encontros e despedidas, o tempo…

    Aqui cito parte de Estação Coração de minha autoria:

    "Dentro do trem, observava a paisagem de dentro pra fora, cenário a passar diante de seus olhos numa velocidade passado-presente…
    Sem entender o significado dos sonhos com trem começou a refletir sobre a chegada e partida de pessoas, começou a refletir sobre o tempo e as paisagens que escolhera durante a viagem diária da vida.

    Quantos trens tinha pegado até aquela idade? Quantas estações tinha visitado? Quantas pessoas desistiram da viagem no meio do caminho? Quantas pessoas continuaram? Quantas perderam o trem e até hoje continuam paradas naquela estação?

    Partir sem deixar nada para trás, sabendo que pode retornar quando quiser, percebendo que sua casa é o vagão a conduzir-lhe ao melhor lugar, onde quiser chegar, sem pressa de partir".

    E uma nova música se fez presente:
    " vem morena ouvir comigo essa cantiga
    Sair por essa vida aventureira
    Tanta toada eu trago na viola
    Pra ver você mais feliz

    Escuta o trem de ferro alegre a cantar
    Na reta da chegada pra descansar
    No coração sereno da toada bem querer…"
    (Boca Livre)




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