quinta-feira, 2 de junho de 2016

Acervo em Itanhaém - ao professor.

Menino Selvagem.

Braçadas ao mar -
peitar temerário,
Praia do meu Sonho,
remar nesse horário.

Chegar é mistério,
sair do império -
infância inquieta,
isopor esfola.

Bracinhos pequenos,
sozinho - imanente,
tamanho somente
depois percebido.

À noite ele volta
à antes jurada,
margem a primeira
paixão traiçoeira.

Argentias.

Lançadas pela mão
em cascata se dão.

Do Sonho é a praia -
se artimanha espraia.

O sentir pranteado -
quase lacrimejado.

No olhar infantil -
prateado e anil.

Sem saber o que era
vislumbrada quimera.

Argentias ao luar
desde a água do mar.


Mãos Libertas.

Expira aroma,
todo firme em mim -
umbigo ilhado,
banha essa água.

Inspira a onda -
é minimalista,
anelar aliança,
mediada e quente.

Cor de sangue à ponta,
prepara o néctar -
letras não escritas,
mais do menos verso.

Concepto livro-cor,
nasce direção -
indica maestria,
cinco à seguir.

Corpos se encontram,
sinais de outro gênero
razão do viver.

Nasce camaradagem
mãos dadas às outras
se olhem - viajem.

Libertas estão -
criadas venturas,
percutem inocência.

Você meu querer
ondula maré -
pintada celeste.


Mulher Caiçara.

   Sua delicadeza surge, nesse contexto, em penhasco com ar de passarinho e mergulhão, olhando a praia de menino em canoa de pescador, sobre mar de cardume, onde a pura ação movimenta, com o sentir amoroso nessa lúdica presença, que mais se aproxima da existência, em ato de busca. Brincadeiras na mata e poesia pelas ruas interiorizam, nesse movimento, seu frescor sob brancos lençóis, com dobras de marolas trazidas do caminho das águas. Mulher caiçara banha sua filha, com mãos calejadas pelo tecer da rede de pesca, em descanso de seu caminhar continente para conquista de sabor, na sua permanência insular, com troca de aromas. No mar de diálogo vai, em correnteza oceânica do viver, com bucólica remada de aproximação ao horizonte incerto. 
   Gerada presentificação, própria da europeia, com pitadas de sonoridade africana e de plasticidade guarani, com sua história fragilizada, no medo imposto por incorretos, mas, com adquirida fortaleza, disfarçada em aparência amedrontada, dos corretos, e longe de vitimizada, sob a ética do benefício herdado da ascendência. A sua cultura de mulher caiçara evoca, em linhas guardadas próximas à sombra de paciente espera, o seu mistério, com quantidade de nós que permeiam a menina que escuta, e cortiças que flutuem junto ao menino que lhe fale. Ela como personagem se sente protagonista - nessa tessitura, mais coadjuvante em ondas do que esse narrador em vagalhão da saudade, tão desdobrados, mas companheiros em degustação de maresia, em rebeldia. Está na evocação do limite, de mar circunscrito, esse avizinhamento, mas, que em maré vazante vai, até se distanciar, em conquista de água oceânica coberta em brumas, em vazantes e enchentes. Este fluxo está, ao adentrar o canal do estuário, longe de manobras exóticas, como em suas veias, para percepção do que há, ao passar pelo deck dos sentidos, até umedecer a aridez da areia em próxima praia, a partir dali palmilhada. 
   Há ambiente, em roteiro desde a nascente do Tejo que a remete à Europa, e à África até a Fonte de Itororó, depois de percorrido o rio chamado Atlântico, como sua artéria e, já aqui refrescado, como em suas narinas, pelo vento até a Serra do Mar - emoldurada por nuvens, pensamentos que evocam vulcões de Araucania - intuições, e lava expelida pelo Vesúvio – lembranças desde 1902. Essa geografia emocional é, de inquietude, denotada em fenomenologia de atos e de passivas percepções. 
   Vivificada memória em suas cartas, chacoalhadas no abrir de sua bolsa, sobre contexto disfuncional, com poeira de grande viagem. Desde a distante Europa, onde os detratores permanecem sob silenciado mosaico de intransigência à anárquica presença, sua, e da África de mais antiga influência à submissão, chegando à sedutora Mata Atlântica. Agora passa, em intimista distância, suas vistas por morros, na Ilha de São Vicente: desde o tormentoso Morro do Lima - derrocado para aterro, até o sonhado Morro do Itararé – mirante do cais do Porto de Santos e praias, onde os caiçaras formam quebra-cabeça, em estabelecidos epicentros, que seus ombros sustentam. 
   Percepção do menino em pluvial água e da menina em salobra mistura, ambos acalentados como pequenos peixes guarú, estes que saem mesmo protegidos por comportas em canais de Saturnino de Brito, como de sua boca as palavras. No abrir de barbatana, em toques mútuos, assim, em seus mais recônditos nichos, como uma só isca viva, enlevados por anzol cognitivo, a mulher convive com predadores, que passam por sua mão em aleatória escolha, vazante, na busca de partilha maior, em trajeto sem sombras de pedras, como se não houvessem ossos, mas, das mais fortes ondas, profundas correntezas e remansos, cujas superfícies refletem, como sua esperança, o céu. 
   Autor: Ricardo Rutigliano Roque, em 15 de março de 2016, em comemoração ao "Dia Internacional da Mulher" e à "Semana da Cultura Caiçara", em seu último e primeiro dia, respectivamente.

A Janela.

   “Você pode dizer que a marca do Brasil é o carnaval ou o futebol, mas não é. O que resume o espírito do Brasil é pintar esquadria de metal com a mesma tinta que se pinta a parede, cobrindo parafusos e ferrugem, borrando o vidro e emperrando para sempre o movimento basculante da estrutura, desvirtuando sua razão de ser, anulando sua utilidade original e maquiando vícios funcionais. Se isolarmos a matéria à sua mínima porção indivisível, descobriremos que as esquadrias de metal pintadas concentram em si todas as contradições da Nação.” 
                                                         João Paulo Charleaux.

   Desalmada pintura da janela, imobilizadora das forças antagônicas de Spinoza que, via Deleuze e Foucault, dá vista ao amor!
   Freud é janela poética = consciência + razão + criatividade, ao dar vista à vida com Arte!
   Como pintam vocês a janela, ao vestirem a capa freudeana ou deleuzeana que cobrem ou não a vida!?
                                                                Ricardo Rutigliano Roque.

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